sábado, 29 de março de 2008

Porque eu tenho medo de evangélicos

Todo brasileiro pode acreditar, em matéria religiosa, no que quiser. Esse é um direito protegido pela Constituição Federal, no seu art. 5º, inciso VI. Católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas, agnósticos, ateus, enfim, todos estão resguardados no seu direito a liberdade de crença (e descrença).

Uma conseqüência natural dessa liberdade é o direito de não ser obrigado a agir segundo um fé que não é sua. Se você é agnóstico, não é obrigado a continuar casado só porque a religião católica determina que divórcio é pecado.

Entretanto, nem todos parecem pensar assim. Em mais de uma ocasião, tive a oportunidade de perguntar a colegas evangélicos o que eles achavam, por exemplo, no casamento homoafetivo. Todos falaram de imediato que condenam a homossexualidade, mas respeitam os homossexuais e seus direitos. Até aí, tudo bem. Porém, curioso que sou, insisti mais um pouquinho na questão e perguntei se, na caso hipotético deles vierem a ter o poder nas mãos de garantir que esse tipo de casamento permaneça proibido, o que eles fariam? em todos casos a resposta foi a mesma: eles manteriam a proibição, ou, se fosse permitido, proibiriam.

Não adiantou lembrá-los da afirmação feita logo antes de que eles respeitavam o direito alheio. A seus olhos, não parecia haver contradição nenhuma entre dizer num momento que "respeito a crença dos outros", e logo depois falar "mas eles terão agir assim ou assado, pois esta é minha fé".

Enfim, mesmo considerando que esse tipo de postura não é exclusividade dos evangélicos, o fato é que eles estão crescendo em nossa população (segundo o censo do IBGE de 2000, já representam 15% dos brasileiros[1]), e já dominam uma fatia do Congresso Nacional na forma da famigerada bancada evangélica.

Torço para que nunca se tornem a maioria em nosso país. Até onde pude perceber de suas idéias e comportamentos, não seria leviano especular que eles, sem nenhum pudor, imporiam a todos os dogmas de sua crença religiosa particular. Só não o fazem hoje porque não podem.

[1] - http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/08052002tabulacao.shtm

2 comentários:

Unknown disse...

Não há razão para temer, pois, a não ser que falemos de uma anarquia, é natural que um governo democrático tenha leis que limitem certas coisas. Seguramente, o que faz medo é um governo liberal que, sob o falso pretexto de respeito a uma falsa liberdade de cada um, libere tudo: casamentos gays, aborto, maconha, eutanásia, pedofilia, prostituição infantil, etc. Logo, para ser livre, o povo precisa de limites, para que a liberdade de todos se mantenha. Como diria alguém: liberdade é fazer tudo aquilo que as leis permitem. Para os evangélicos certas práticas são contra a liberdade, e o fariam para preservar a saúde física e mental da população, mesmo que alguns não entendam, mas com certeza tudo seria feito dentro da democracia, sem imposição. Ademais, nenhum evangélico pode e/ ou deve proibir alguém de nada. Acontece que, se fosse um evangelico o responsável por certas decisões, mas sabemos que no país ninguém decide sozinho, ele certamente votaria por algo que preservaria a moral e o pudor no contexto social. Faria mais que sua obrigação, sem desrespeitar ninguém, pois os homosexuais continuariam com sua liberdade para tomarem suas decisões, dentro dos limites da lei, assim como o restante da população.

W.R.

Adriano Araújo disse...

Olá Wintemberg, você colocou algumas coisas interessantes. Vou tentar responder o que me pareceu ser os pontos principais do seu comentário um por um, para facilitar o raciocínio.

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"Seguramente, o que faz medo é um governo liberal que, sob o falso pretexto de respeito a uma falsa liberdade de cada um, libere tudo: casamentos gays, aborto, maconha, eutanásia, pedofilia, prostituição infantil, etc."

Bem, parece um pouco precipitado colocar tudo o que você citou numa mesma cesta. Casamento gay, uso de maconha, eutanásia, etc., não se comparam com pedofilia e prostituição infantil.

Para melhor esclarecer porque, é preciso falarmos sobre o problema da moral.

Para muitas pessoas, os valores morais advém da religião. Que seja diretamente de Deus, ou por intermédio de um livro sagrado, como a bíblia. Para esse grupo de pessoas, o parâmetro para se definir se algo é moral ou imoral é um dogma, uma questão de fé. Muitos cristãos, por exemplo, condenam o casamento homoafetivo porque a bíblia assim o prescreve, como se lê em Levítico 18:22.

O problema com uma moral de base religiosa é a questão da universalidade. Toda regra moral almeja ser universal, ou seja, valer para todos. Mesmo que reconheçamos que certas normas morais variam de lugar para lugar e época para época, é também fato que os grupamentos humanos que seguiam tais normas o faziam por imaginar que elas teriam um valor transcendental à sua cultura. Por exemplo, há tribos indígenas no Brasil que matam os bebês que nascem gêmeos por acreditarem que tais recém-nascidos encarnam o mal. Provavelmente eles não acreditam que apenas os seus bebês gêmeos encarnam o mal, mas sim qualquer criança gêmea, inclusive as de outras culturas.

Mas se uma crença religiosa é, por definição, uma questão de fé, como exigir que outras pessoas, que não compartilham dessa crença, ajam segunda ela?

Aqui pode-se argüir: mas então que parâmetro usar para definir o que é e o que não é moral? por que pedofilia é imoral e o casamento gay, não? Responder essas questões não é assim tão fácil, até porque não se quer aqui propor um sistema moral definitivo e universal (seria muita pretensão fazê-lo).

Mas, se nos livrarmos da fé cega e usarmos a razão como guia, é possível perceber que, no caso das relações gays, por exemplo, são situações que, se feitas por pessoas adultas e de forma validamente consentida, não há prejuízos a terceiros. Apenas as pessoas envolvidas são afetadas, e, portanto, não há interesse público na sua proibição.

Já nos casos de pedofilia e prostituição infantil, se trata de abusos contra seres humanos incapazes de dar seu consentimento válido. Há um prejuízo óbvio para a criança envolvida, que não tem como se defender dos avanços de uma pessoa adulta.

O aborto é outra questão complexa, mas vamos pular para o próximo item, já que este ficou bem longo.

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"Logo, para ser livre, o povo precisa de limites, para que a liberdade de todos se mantenha. Como diria alguém: liberdade é fazer tudo aquilo que as leis permitem"

Você tem razão, o direito de cada um termina nos limites do direito de outrem, mas é preciso lembrar que nem toda lei é boa, e é preciso lutar para que o que tenha de ser proibido, seja proibido, e o que tenha de ser liberado, seja liberado.

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"Para os evangélicos certas práticas são contra a liberdade, e o fariam para preservar a saúde física e mental da população"

Se você se refere as práticas citadas mais acima (aborto, eutanásia, etc), então é preciso dizer que eu não entendo em como legalizar tais práticas fere alguma liberdade. Liberdade de quem? de que? Se uma lei liberalizasse o aborto, por exemplo, nenhuma evangélica seria obrigada a abortar. A liberdade dela de fazer o que ela acha ser o certo, não abortar, seria respeitada. De fato, pode-se dizer que, se há desrespeito a alguma liberdade, é o de impedir as mulheres que não concordam ser o aborto um pecado de realizar tal prática se elas acharem necessário. Uma proibição fere uma liberdade, por definição. Uma legalização tem o efeito contrário.

Quanto a preservar a saúde mental e física da população, é preciso enfatizar que cabe a cada indivíduo escolher o que é melhor para ele. Não pode o Estado, de forma autoritária, decretar o que é "mentalmente são" para cada pessoa.

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"Ademais, nenhum evangélico pode e/ ou deve proibir alguém de nada"
"Acontece que, se fosse um evangelico o responsável por certas decisões, (...), ele certamente votaria por algo que preservaria a moral e o pudor no contexto social"

Vê? é o que eu disse no meu post. Por um lado, se afirma que os evangélicos não querem proibir ninguém de nada, mas por outro, afirma-se também que defenderiam a proibição de atos que ferissem a "moral" e o "pudor" no contexto social, inclusive o casamento homossexual, suponho.

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Cabe ainda ressaltar que, diferentemente do que deu a entender no seu comentário, Win, nem sempre uma decisão tomada democraticamente, ou seja, pela vontade da maioria, é uma decisão moral. Se houvesse um plebiscito em que a maior parte da população votasse em favor da escravização dos negros, tal decisão seria democrática, no sentido estrito da palavra, mas seria imoral, pois desrespeitaria um direito fundamental do indivíduo: a liberdade.

Em outras palavras, mesmo que os evangélicos, ou qualquer outro grupo, fizessem passar leis através do processo democrático, se tais leis tivessem bases exclusivamente religiosas, ou seja, se tais bases não forem convertíveis em valores seculares, então se estaria incorrendo num desrespeito indireto à liberdade de crença dos que discordam do dogma religioso em que se baseou a lei.

Desculpe, Wintemberg, pela resposta longa, mas o assunto é interessante e eu me empolgo.

Como todo o respeito,
Adriano